28 de junho de 2007

Faxina interna

Pode procurar à vontade -
mas no meu coração
já não tem mais nada seu.

Juntei tudo:
os risos, as lágrimas,
aquelas fotos,
aquelas cartas.

Pus tudo numa caixa de papelão;
lacrei com fita forte,
despachei por Sedex,
pra bem longe de mim.

E agora ando leve,
sem correntes nos pés;
sem o peso do anel.

27 de junho de 2007

Twist

Minha cabeça roda,
a cada volta,
desse twist,
que sobe e desce,
e me enlouquece.

Com mãos geladas,
seguro a barra,
e na superfície
do banco branco,
escorrego, sozinha.

Quando aterriso,
já não existo.
Me desligo,
e desabo
no chão.

15 de junho de 2007

Minhas mãos

Minhas mãos pequenas,
frágeis...
Vão cuidar de decidir.
Vão cuidar de querer o seu bem.

Conte com as minhas mãos.
Na hora de atravessar sobre a pinguela,
Na hora de fazer o chá para a gripe forte,
Na hora em que precisar
de um aperto carinhoso nas suas.

Pastiche

Confesso:
roubei seu estilo,
peguei suas rimas emprestadas,
e não devolvi.

Analisei sua sintaxe,
cavei fundo na sua semântica,
desvendei as implicaturas da sua pragmática.

Me apropriei de suas gírias.
Fiz ctrl+c, ctrl+v nas suas expressões.
Colori-as todas com meu sotaque,
carregado de montanhas.

Todos os dias
te faço um mãos-ao-alto silencioso.
Aponto a arma,
e saio te copiando.

E seus olhos sequer percebem
minhas mãos sob luvas;
disfarçadas.

Souvenirs

No meu quarto tem um cesto,
onde eu guardo as nossas coisas.
Aquela palavra doce
que você me deu de presente,
a fotografia dos seus olhos,
que registrei na minha mente.
A expressão de susto no seu rosto,
quando me viu pela primeira vez -
o abraço, meio sem-jeito,
a falta de ar no peito,
o 212 que grudou no meu cabelo.
Guardo uma amostra do seu sorriso tímido,
daquele seu olhar inquisitivo...
No meu cesto tem som de chuva
batendo na vidraça da janela,
e a sua música ligada no play.

14 de junho de 2007

Junho

Junho entrou sereno,
e límpido,
sem nuvens no céu
pra me estarrecer.

Trouxe o vento gélido,
que canta pelas frestas
da minha janela à noite -
fez do sol um mero coadjuvante,
encurtou os meus dias.

Me encheu de espirros e catarros,
me engordou com cachecóis e casacos,
enrouqueceu a minha voz.

E no meu coração brotaram saudades
do calor que trazia a chuva.

11 de junho de 2007

Catarina e Marina

Elas são duas:
Catarina e Marina,
que de tão parecidas,
confundem quem as vê passar.

Uma é do início,
a outra do fim,
de um continuum longo de dias,
que separa suas cronologias.

Cresceram cercadas de montanhas,
apossaram-se das mesmas ruas.
Marina cedo rompeu seus limites,
mas Catarina, ainda não;
tem pés fincados no chão.

Catarina dança e rodopia,
Marina também.
Marina canta,
Catarina também.
Os olhos amendoados,
as duas meninas têm.
Da doçura dos versos,
do delírio da pena,
são ambas reféns.

Mas o sotaque carregado de montanhas,
apenas Catarina mantém.

E em momentos distintos,
de uma vida irônica e cheia de voltas tortas,
cruzaram-se no coração de um mesmo rapaz.

Nunca se viram, a não ser pelo olhar dele.
Nunca se ouviram, a não ser pela voz dele.
Nunca se leram, a não ser pelos versos que ele lhes deu.

Ele as vê como uma só menina,
dividida em dois corpos.
A uma chama de bailarina,
à outra, pimenta,
mas são ambas suas lindas.

Elas são duas, não uma.
Catarina e Marina.
Mas de tão parecidas...
confundem quem as vê.

9 de junho de 2007

Sede

Ando sedenta por escritos;
- matéria para ler.

Não os resumos da escola,
chatos e maçantes,
mas idéias:

de preferência que venham
em cápsulas de metáfora,
entre travessões bem colocados,
e com reticências implícitas.

Procuro uma rede de mistérios.
De peças soltas.
Para eu decifrar e ordenar como quero.
Interpretar como posso,
à luz da minha subjetividade mutante.

E, vamos lá, pode dizer.
Eu sou uma leitora voraz -
ávida consumidora de uma certa poesia.

Careço de versos que me deixem pistas.

6 de junho de 2007

Mudanças

Um dia vou abrir minha caixa de retalhos
e ver que minhas idéias de ontem
já não combinam com meus botões de hoje.

Vou ver que perdeu a graça fazer patchwork,
misturar estampas,
forrar com pano os botões
que saíram de moda.

E vou lembrar de todas as vezes
que espetei meu dedo com a agulha
apenas porque não usei meu dedal
(apesar de saber que devia).

Vou sentir o calo no dedo -
do bater constante
da minha agulha de tricô...
... e então enxergar
minhas cabeçadas
desfilando diante de mim.

2 de junho de 2007

Cena de inverno

frio
montanha
lareira.

chá quente
de erva cidreira.

lã no corpo.
dvd na tela.

e nós.